domingo, 16 de agosto de 2015

#10 O potencial turco

Um novo líder?
Nossa quinta parada foi na Turquia, um belo país de 75,6 milhões de habitantes e uma história fortemente atrelada à agricultura. Esta corresponde por aproximadamente 10% da formação bruta de capital fixo (FBCF) do país, e atende a 25% dos empregos. Os principais mercados agrícolas turcos são, em ordem aleatória: frutas e vegetais, ração animal, pecuária e a indústria leiteira. A demanda por alimentos no país cresceu a impressionantes 14% de 2007 a 2014, e as expectativas para a mesma taxa até 2017 são de 6% ao ano. Suas exportações para a Europa, Oriente Médio e África (EMEA) expandiram cerca de cinco vezes entre 2000 e 2012, o que resultou em grande oferta de investimentos no desenvolvimento do agronegócio e indústria alimentícia na referida década e na presente.
O governo fala num posicionamento entre os top 5 países no agronegócio mundial até 2023, via, principalmente, seguridade tributária, baixo custo de força de trabalho e financiamento competitivo ao capital externo direcionado ao desenvolvimento do setor doméstico. Cheguei ao país com essa pergunta na cabeça... O quão próximos estão da ambiciosa meta?
Nosso anfitrião no país foi Louis Chirnside, há anos colaborador da Nuffield e produtor de tomate na Austrália. Em sua companhia, percorremos a península de Galípoli, em homenagem aos 100 anos do Dia ANZAC, celebrado em 25 de abril, e as cidades de Çanakkale, Bursa e Istambul.
A paisagem natural turca é uma das mais bonitas que já presenciei, e ter a oportunidade de fazer esse percurso pela estrada, com breves paradas em vilarejos ao longo do caminho, conversando com os residentes (no meu melhor turco), provando as especiarias locais, foi extremamente prazeroso.
Aqui também relatarei a passagem pelo país em eventos – não em dias –, e espero expressar da melhor forma possível a minha percepção do que presenciamos e das empresas que visitamos.
A primeira e ótima visita aconteceu à Merko, maior processadora e exportadora da indústria alimentícia na Turquia, com o tomate como matéria-prima. A empresa produz pasta de tomate e extrato para uso industrial.
Jim em uma das estufas da Merko
A Merko tem contrato com cerca de 300 produtores, e o tomate é cultivado em mais de 20,0 mil hectares, tendo a produção recorde acontecido em 2008, quando atingiu 240,0 mil toneladas, desempenho este nunca mais reproduzido, graças às condições climáticas da região. Todo o contingente produzido é direcionado às exportações (para o Japão, principalmente).
O fator mais marcante da visita à Merko foi, para mim, a clara diferenciação das barreiras tecnológicas existentes na agricultura. A estrutura da empresa é incrível: modernizada, padronizada e higiênica. Todos os possíveis fatores de optimização no processo industrial foram implementados, levando-o a uma ótima performance. Ao questionarmos o grupo sobre o que ainda se interpõe, entretanto, como desafio ao crescimento, a resposta foi a imprevisibilidade da produção no campo.
O homem pode controlar todo o processo industrial, acelerar etapas, reproduzir condições climáticas em ambientes fechados, automatizar 100% de sua produção, e nas lavouras pode desenvolver sementes transgênicas, tratar o solo e pulverizar as plantas com substâncias que facilitarão seu desenvolvimento, mas nunca deixará de ser completamente refém das condições naturais que envolvem o cultivo agrícola. E isso é fascinante. Ainda que façamos a nossa parte, no setor agrícola isso não é garantia certa de sucesso. Na minha opinião, há beleza na imprevisibilidade. Não sei quantas indústrias são tão desafiadoras quanto essa em que estou inserida.
Como exemplo, o tomate é uma fruta extremamente delicada e de difícil cultivo. Os agricultores têm lidado com excesso de chuvas nos últimos anos, o que potencializa a proliferação de doenças no campo, e quando há muito sol a fruta sofre impactos na coloração, sendo possivelmente rejeitada pelos compradores por estar fora do padrão de qualidade e aparência exigidos.
A empresa trabalha em parceria com as mesmas famílias de produtores há décadas, e a questão da sucessão no campo não parece estar no centro das preocupações da Merko. Segundo os diretores, o país passa, atualmente, por um renovado interesse na produção agrícola. A questão de dar prosseguimento à difícil tarefa que é administrar uma fazenda não parece ser problema para o povo turco. O tradicionalismo parece se encarregar da sucessão, portanto do futuro da agricultura de origem familiar no país.
Estivemos também na fazenda leiteira Feyz Süt. A empresa cuida de mais de 1,0 mil vacas de ordenha, que produzem impressionantes 12,0 mil litros/vaca/ano, enquanto a média do país é 4,0 mil litros/vaca/ano, e a dos top performance corresponde a 8,5 mil litros/vaca/ano. O CEO, Sencer Solakoglu, conversou conosco sobre os desafios de se produzir em escala quando se prioriza o tratamento individual e personalizado a cada um dos animais, numa busca pelo equilíbrio dos dois fatores (que não são necessariamente exclusivos), e nos máximos rendimentos que se pode auferir dessa combinação.
Além, Sencer falou sobre a atual realidade da indústria de laticínios na Turquia, em que 82% dos estabelecimentos de atividade leiteira possuem um rebanho de cinco vacas ou menos. Os produtores lidam com a falha ação do governo no combate à febre aftosa (FMD) e a outras doenças, o que afeta o desenvolvimento dos pequenos empreendimentos. Esses produtores têm, portanto, que utilizar de seus próprios recursos para proteger seus negócios (medidas de segurança fitossanitária, como vacinas, medicação via ração e etc.), o que contribui ao atraso da implementação de técnicas inovadoras e mais sofisticadas no sistema de produção, já que investimentos são direcionados à manutenção de problemas que em teoria são de responsabilidade da ordem pública.
Sala de ordenha na Feyz Süt
Nas instalações da Embaixada Australiana na Turquia conversamos com Sinan Ogun, diretor de sustentabilidade na Red Rock Minerals e coordenador na Zirve University. Sinan também falou sobre os obstáculos na inserção de novas práticas na agricultura turca, em que a inovação esbarra na difícil relação tríade entre academia, governo e produtores rurais.
Há uma grande questão emocional e conservadora que retarda oportunidades de desenvolvimento do setor: produtores não confiam na entidade pública, e a academia não acompanha as novas tecnologias lançadas ao redor do mundo (não estando coesa, também, ao setor privado). Esse impasse, porém, se origina de uma pequena barreira – coexistência e pesquisa colaborativa –, que gera custos elevados e injustificáveis.
Sinan trabalha pela inserção tecnológica junto ao produtor rural, para que se familiarize com novas práticas que podem vir a transformar a agricultura turca e realmente explorar sua ótima fonte de recursos e potencial produtivo, promovendo o país internacionalmente e transformando a sua competitividade.
Sobre a pergunta do início do texto, e sob minha limitada e parcial perspectiva, a Turquia ainda tem um longo caminho até os estrelados top 5 do agronegócio global. Este é um país com grande capacidade agrícola, clima favorável, solos férteis e uma história que se delineou junto ao desenvolvimento da agricultura, mas a desarticulação entre governo, produtores e empresas muito distancia essa meta, principalmente se pensarmos que 2023 não é um futuro mais tão distante assim.
De qualquer forma, precisamos da Turquia. É do interesse de todos que se desenvolva, explorando ao máximo seus recursos de maneira sustentável e com uma abrangência coletiva. E é do meu interesse que o consiga fazê-lo preservando sua tradição e paisagem natural tão singulares.

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