quarta-feira, 10 de junho de 2015

#06 Aterrissando na Austrália

Terra distante
Tem início o GFP. Depois de tanta preparação e dias imaginando como seria essa volta ao mundo, ela finalmente começa a se delinear diante de nós. Primeira parada: Austrália, país que está a mais de 15 milhões km de distância do Brasil, mas que fala a mesma língua de paixão pela agropecuária e comprometimento das pessoas com o desenvolvimento do setor.
De extensão territorial de 7,7 milhões km² e população estimada de 23,8 milhões de pessoas (aproximadamente a população do estado de Minas Gerais, de “apenas” 586,5 mil km²), a Austrália faz mágica com menos de 5% de seu território próprio para cultivo e expressivas variações climáticas nos últimos anos. É uma grande produtora e exportadora de trigo, aveia, cevada, algodão, e figura-se entre os líderes globais na comercialização de carne bovina, estando tecnicamente empatada com o Brasil em terceiro lugar na exportação do produto (estimativa de 1,5 milhões de toneladas em 2015).
Além da relevância para a agropecuária mundial, o país figura-se como o epicentro de atividades da Nuffield. É um privilégio estar na terra onde tudo começou, e observar a construção e o poder de alcance da instituição em todo mundo, mesmo a mais de 15 milhões km, reverberando lá no Brasil.
Logo na chegada, me reuni à outra bolsista Holly Beckett e fomos recebidos pelos incríveis Wade Mann e Nicola Anne Mann. Nicky participou do programa de 2014 com a pesquisa “Intensifying Production and Output Through Protected Cropping Systems”, e nos deu vários direcionamentos em relação ao GFP e elaboração de nossos relatórios.
Ela e Wade são proprietários da Roses 2 Go, negócio de cultivo e distribuição de flores, em fase inicial de diversificação. A família Mann possui duas estufas de 3,0 mil m², com rosas e mirtilos em cada. A produção de rosas corresponde a 24 mil plantas, ou 60 mil buquês por ano, sendo 25% do total rosas vermelhas e 75% distribuído em variações de rosas amarelas, laranjas, rosas, brancas e outras.
Com a produção de mirtilo – ainda precoce –, a família espera alcançar 0,5 kg por planta no primeiro ano de venda, 2 kg por planta no segundo ano, 5 kg no terceiro ano e 10 kg por planta no quarto anos (e cinco seguintes a esse), desempenho só atingido graças à estrutura das estufas.
Segundo Wade, o maior desafio do negócio está na opção desprivilegiada das rosas. Como representam itens de luxo, não são priorizadas na cesta de consumo. Por isso, há a necessidade de se diversificar para adequar a Roses 2 Go às forças de mercado.
Agradeço ao Wade, Nicky e seus adoráveis filhos pela recepção calorosa, por me darem abrigo, por me mostrarem um pouco de sua rotina e pela gentileza em ceder sua própria casa. É muito bom se sentir acolhida do outro lado do mundo.
Querida Nicky na Roses 2 Go
No primeiro dia de junho fomos recebidos com um maravilhoso almoço pelo outro bolsista James Mifsud, sua esposa Frances e seus filhos. James é proprietário de uma fazenda de criação de perus e gado. São criados aproximadamente 16 mil perus por ciclo (22 semanas) distribuídos em seis galpões.
A criação de aves é extremamente eficiente e de produtividade linear. A busca por melhoria no desempenho agora está concentrada no pasto. O objetivo de James é reformar o perfil do solo nos 400 hectares onde cria cerca de 140 vacas. Grama de qualidade significa gado mais bem alimentado.
Já há alguns anos, o maior desafio do empreendimento está no lide com a American Society for Prevention of Cruelty to Animals (ASPCA), que promove o bem-estar dos animais e, aqui especificadamente, regula a qualidade da carne comercializada em última instância, ou seja, que imprime o selo que estampa a embalagem do produto nas gôndolas.
James alega que há um distanciamento entre as condições de controle exigidas pelo órgão e os critérios que realmente determinam o controle de produção. Os produtores relatam uma sensação de limitação, ou de perda de empoderamento de seu próprio negócio. O fundamento para a produção reduz a viabilidade do produtor de comercializar e diversificar seu próprio produto. O mais grave, entretanto, é que este selo imprime um esforço adicional para regularizar a carne vendida, e os gastos extras implicam em aumento de preço da mesma, sendo que o diferencial não é repassado aos produtores.
Esta é uma discussão delicada, já que ambas as partes têm fortes visões e argumentos de defesa, e James trabalha duro pela conciliação de interesses. Acho que o órgão não deve medir esforços na regulação do setor, mas tem a obrigação de estar próximo ao mesmo, e ter domínio de conhecimento da cadeia para que então tome decisões e imprima leis que o legitimem. É uma grande responsabilidade determinar o futuro de toda uma indústria.
James, Frances e sua família também me acolheram com grande carinho, e sou grata por sua bondade e atenção. Espero recebe-los tão bem quando me visitarem no Brasil (e que me visitem!).
A estada australiana durou três dias, sobre os quais discorrerei em detalhes as apresentações e visitas mais marcantes.
Dia 1: discussão com Hugh Maginnis, counsellor for agricultural affairs Australia and New Zealand, Ben Slatter, Delegation of EU to Australia Senior Adviser, Trade, Economic & Agriculture, Amy Tisdall, First Secretary of New Zealand High Commission Canberra e Tony Maher, Genreral Manager Policy, Trade and Economics for National Farmers Federation. Todos discutiram a relação entre a Austrália, seus países de origem e demais, sobre o potencial agrícola de suas economias e sobre o futuro das relações de mercado mundiais.
A fala de destaque, ao meu ver, esteve na apresentação de Hugh Maginnis. O conselheiro discorreu sobre a viabilização do acesso australiano na economia norte-americana e vice-versa, e sobre a atual situação agrícola estadunidense.
Nos últimos anos, observou-se uma queda de área no país destinada ao cultivo de trigo e algodão, e expansão de soja e milho, tendo como premissa o crescimento de produção de etanol e ração animal. O USDA alega que grande parte da demanda mundial potencial por esses grãos na próxima década será suprida pelos Estados Unidos. Considerando-se que o setor agropecuário do país já tenha atingido níveis ótimos (e, portanto, estáveis) de produtividade, e que a disponibilidade de área é limitante, questiono a afirmação de Hugh. O Brasil, apesar do grande gargalo logístico, tem atual capacidade para exportar o dobro do volume de milho que direciona aos portos (cerca de 20 milhões de toneladas). Somando-se a competitividade brasileira nesse sub-setor a toda a expectativa crescente na possível conversão de área russa, penso que talvez o órgão norte-americano esteja superestimando as previsões de ganho de mercado dos Estados Unidos.
Nos períodos da tarde e noite visitamos o Parlamento australiano sob guia de Ross Gough. Participamos do question time e pudemos observar o liberal e primeiro-ministro da Austrália Tony Abbott e outros ministros serem questionados sobre seu mandato por membros do parlamento. O esquivo às perguntas mais delicadas (sobre programas assistenciais, por exemplo) me fizeram refletir sobre essa tal de democracia. Seria democrático dar à população o direito de questionar seu governo, ou a democracia está, na verdade, no direito de a população de ter seus questionamentos respondidos com clareza e propostas de ação?
Nossa primeira reunião em Canberra
Dia 2: em momento reservado ao grupo GFP Índia, realizamos um teste de personalidade com o especialista Rob Patrick. O objetivo era identificar as principais características de cada integrante do grupo e explorar e desenvolver seus gatilhos e qualidades. Estaremos juntos por seis semanas, praticamente 24h por dia, vindo de países diferentes, culturas diferentes, línguas diferentes e com cabeças diferentes. É de extrema importância que aprendamos a identificar pontos de inflexão no lide diário, e os trabalhemos para que o aprendizado seja maximizado. Na mesma proporção, as qualidades pessoais devem ser exploradas em benefício do grupo.
Tenho a certeza de que podemos contar uns com os outros, e não poderia estar mais satisfeita com as pessoas com quem escolhi participar dessa jornada.
No período da tarde conversamos com Andrew Johnson sobre responsabilidades e o que significa ser um viajante nuffieldeiro. Foi ótimo ouvir a voz da experiência de quem já viveu tudo o que experimentaremos agora (Andrew foi bolsista no programa há cerca de dez anos) e que hoje ocupa o posto de nada mais, nada menos, do que chairman da Nuffield Austrália.
Em seguida, dedicamos algumas horas a conhecer um pouco mais sobre Canberra, com destaque à visita à National Gallery of Australia.
Conhecendo Bronwyn Bishop e Bruce Scott
Dia 3: de volta a Sydney, é hora de se despedir desse incrível país e se preparar para a imersão que segue nas semanas seguintes. Tantos eventos acontecidos e só estamos começando.
Rumo a Singapura!
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