sábado, 2 de maio de 2015

#03 Conferência Contemporânea de Bolsistas, ou Sentido de Companheirismo e Comprometimento

No dia 28 de fevereiro teve início a Conferência Contemporânea de Bolsistas (CSC) do programa de 2015 da Nuffield International. Cerca de 75 profissionais de diversos setores relacionados ao agronegócio se reuniram em Reims, na região de Champagne-Ardenne, França, para discutir os rumos da agricultura mundial, sob desenvolvimento de um setor agrícola inovador e dinâmico.
Esse foi o primeiro contato que fiz com os outros bolsistas, com os representantes da Nuffield de cada país, e com a série de ações desenvolvidas pela organização em colaboração global. Jean Lonie, representante da Nuffield EUA, nos deu a perfeita definição da conferência, logo em sua primeira fala: estávamos todos ali para ter nossas mentes esticadas, nossos conceitos confrontados e nossa visão ampliada. Trata-se de um verdadeiro exercício de compreensão das inúmeras esferas e realidades ao redor da agricultura de que não nos damos conta existirem.
Desde sempre, a História é determinada por pessoas que tomam para si a responsabilidade de transformação, e assumem a dianteira. A conferência tem esse objetivo, preparando a próxima geração de líderes na agricultura através da articulação das mais relevantes e atuais pautas do agronegócio mundial (sucessão, sustentabilidade, superpopulação, gerência, dentre outros).
Foram sete dias de trabalho intenso, conhecendo pessoas de todas as partes do mundo, estudando, discutindo, idealizando... Todo o conteúdo nos foi muito valioso e instrutivo, mas farei aqui uma imersão aos eventos que mais me acresceram:
Dia 1: linha do tempo de minha vida. Basicamente, montamos um gráfico cujo eixo X marcava anos de vida a datar do nascimento, onde retrataríamos acontecimentos determinantes em nossa história (bons e não tão bons), e o eixo Y marcava a escala de importância de tais fatos. Foi um excelente exercício para refletir a nossa trajetória de vida até aquele exato momento, e o usamos para nos apresentar aos colegas bolsitas.
Dia 2: a palestra de Edwin Van Raalte, a primeira e, pessoalmente, mais atual e completa sobre os dilemas que envolvem o futuro da agricultura. Discutimos a questão da crise global de alimentos, sob as premissas centrais de crescimento populacional (158 pessoas nascidas por minuto no mundo), desperdício (se todo o alimento desperdiçado se originasse de um país, este seria a 3ª economia no ranking geral) e sucessão (a cada 20 anos, o número de produtores rurais é reduzido pela metade). Segundo Edwin, o crescimento médio da produção agrícola é de 1,4%, enquanto o estimado seria de 1,75%.
Edwin Van Raalte e o futuro da agricultura
A questão do desperdício muda de perspectiva a depender do grau de desenvolvimento das nações. Em países desenvolvidos, o desperdício é mais grave a nível de consumidor final, enquanto que em economias em desenvolvimento perde-se muito ao longo da cadeia de valor, evidenciando a necessidade de aprimoramento das técnicas de produção e logística.
Dia 3: a visita às instalações do cluster Agro-Recursos e Indústria (IAR)/Cristal Union. A IAR apoia modelos de negócio baseados no princípio da biorefinação, responsável pelo uso integral das plantas (não há matéria inutilizada). Seus benefícios envolvem: o uso exclusivo de matérias-primas renováveis, independência de fontes de origem fóssil, redução da emissão de gases de efeito estufa, supressão do desperdício de insumos agrícolas e suporte ao desenvolvimento econômico de áreas afetadas pela migração da indústria.
A excursão contou com o direcionamento de Jean-Marie Chauvet e introdução prévia de Olivier De Bohan, presidente da Cristal Union, cooperativa que representa mais de 40% de toda a beterraba produzida na França, para fins de açúcar e etanol.
Jean-Marie Chauvet durante a visita ao cluster IAR
Dia 4: o quarto dia foi, pessoalmente, um dos mais interessantes, pois entramos na pauta do uso de materiais geneticamente modificados, seus benefícios e restrições. Marie-Cécile Hénard, agrônoma e economista responsável por inovação e mercados na organização saf agr’iDées, discutiu a falha de comunicação entre ciência e agricultura, e seus reflexos na percepção da sociedade. Geralmente, os órgãos responsáveis pela formulação e estabelecimento das leis estão distantes da agricultura e sua realidade.
Isso faz com que a adoção de organismos geneticamente modificados (OGM) se dê em profunda desigualdade em vários países, gerando empecilhos ao trading global e à construção de um marco regulatório legal mais unificado e coeso. Além, tecnologias originadas em países cuja maioria da população tem visão contrária aos OGM tendem a excluir essa importante ferramenta em seu processo de desenvolvimento, como a agroecologia, de grande relevância na França, que acredita que a otimização de agroecossistemas e biotecnologia são excludentes.
O mesmo país, ainda segundo Marie-Cécile, importa aproximadamente 30 milhões de toneladas de soja GM todos os anos para se produzir ração animal. Observa-se, portanto, como a veiculação de informação pode ser defasada, e como isso impacta na escolha do consumidor final, que apoia a proibição de pesquisas em biotecnologia com direcionamento à agricultura (principalmente na Europa).
Dia 5: a fala muito especial de Jean-Pierre Beaudoin, ex-presidente do Grupo i&e, nos fez questionar a forma pela qual nos comunicamos, e se atingimos os objetivos almejados sob essa comunicação. Jean-Pierre enfatizou a desconexão entre o ideário comum do homem urbano e do homem rural. Os estereótipos apontam para o consumidor como multifuncional, urbano e “mimado”, enquanto o homem rural é visto como um “cliché”, alheio às questões sociais que não abrangem a agricultura e subsidiado, impossibilitado de ser completamente autônomo em seu negócio.
Como resultado desses preconceitos, Jean-Pierre aponta os 30% de desperdício global de alimento e a nossa incapacidade em distinguir racional de razoável, comunicação de relação. Foi um verdadeiro despertar a todos nós.
Jean Pierre Beaudoin discutindo comunicação
Dia 6: a conversa muito interessante e descontraída com Géraldine Weber, Fanny Mingam e Pierre Martin, integrantes da Bio3G, sobre estímulos à liderança através do desenvolvimento de habilidades pessoais. Os principais pontos para se estabelecer parâmetros de liderança são: faças o que dizes fazer e digas o que fazes, assuma riscos, adapte-se ao trânsito de gerações, valorize o conhecimento dos colaboradores, preste atenção nas pessoas, dedique-se a elas e estimule-as a desenvolver suas habilidades criativas, imaginativas, emocionais.
Um ambiente de trabalho colaborativo e de confiança interpessoal é fundamental para se estabelecer princípios de respeito e alegria nas empresas.
Jantar muito especial no Mumm
Dia 7: no sétimo dia, de fechamento dessa incrível semana, dividimos os bolsistas em grupos de cinco a sete pessoas para discutir e propor mudanças em temas centrais da agricultura de abrangência global. O grupo em que participei discutiu o papel do produtor rural na construção de novos mercados em países em desenvolvimento, assunto muito pertinente ao Brasil.
Chegamos às conclusões (embora não definitivas), de que é preciso entender o mercado e o melhor acesso a este, promover cooperação e organização direta entre produtores de diversos países, desenvolvendo-se uma relação de ganha-ganha, investir na adoção de tecnologia (acesso a e adoção de) e explorar uma maior retenção de valor de mercado de commodities agrícolas a nível do produtor, amenizando o uso desses produtos como mecanismo de especulação.
Foi uma ótima maneira para abrangermos todos os tópicos discutidos nessa semana de intenso trabalho.
Atividade de encerramento da conferência
Eu não poderia imaginar uma maneira melhor de ser introduzida ao programa da Nuffield senão através da CSC. Fui apresentada a dezenas de pessoas inteligentes, dinâmicas, bem-sucedidas e sempre tão dispostas a transmitir conhecimento, estudei a agricultura global sob diferentes perspectivas e, realmente, tive minhas concepções confrontadas inúmeras vezes e, o mais importante, fiz amigos. Amigos para a vida. Me senti acolhida e bem-vinda por todos os integrantes Nuffield, e deixei Reims em meados de março com a certeza de que este será um ano de muito trabalho, alegria e parceria.
Todas as palestras podem ser encontradas aqui, assim como as fotos do evento.

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